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AS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL E DO DIREITO ELEITORAL SANCIONADOR NA QUALIFICAÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO: AS CONSEQUÊNCIAS DA CORRUPÇÃO NO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO

 

Por Aline Vicente Bóries

 

15/07/2017

 

O Brasil vem passando nos últimos anos pela maior investigação já realizada pela Polícia Federal. A “Operação Lava-Jato” tem alcançado números expressivos que confirmam a rede de influências entre poder econômico e poder público que descaracterizam afetam de forma negativa o sistema Democrático de Direito.

 

Com a instabilidade política criada a partir dos escândalos denominados “Mensalão” e “Operação Lava-Jato”, o Poder Público tem sofrido com crises políticas e econômicas. O Poder Judiciário também tem vivenciado a sua crise particular, afetando principalmente o princípio da segurança jurídica. Dentre as áreas do Direito mais afetadas com tamanha insegurança estão o Direito Penal e o Direito Eleitoral, cujos impactos poderão abranger futuras campanhas eleitorais.

 

Isto porque o Direito Penal tem como principal função defender os bens jurídicos essenciais, como ensina Alice Bianchini “o direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens (princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos)”.

 

O processo eleitoral, como instrumento do Estado Democrático de Direito, é bem jurídico essencial para o desenvolvimento de uma sociedade pacífica, conforme disciplina a Constituição Federal.

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 

 

Por essas razões, o Direito Eleitoral vem para regulamentar o processo eleitoral, em consonância com a Constituição Federal. Para tanto, para garantir o exercício da democracia e da cidadania através do processo eleitoral, o Direito Eleitoral juntamente com o Direito Penal, propõe medidas coercitivas e punitivas para aqueles que afrontarem o processo eletivo.

 

Contudo, o Direito Penal, na tentativa de assegurar o processo eleitoral democrático e conduzir um processo penal legal em observância as garantias constitucionais e bem jurídicos tutelados, passou a ser o “mártir” do direito. O Direito Eleitoral, por sua vez, sofre mudanças no texto legal na tentativa de impedir que condutas ilícitas, e seus respectivos praticantes, não alcance as vitórias nas urnas e/ou não se mantenham no poder.

 

Denota-se que, a aplicação prática mostra-se deficitária, apresentando dificuldade no exercício da função do Direito Penal e Eleitoral e, consequentemente de combate as ilegalidades, principalmente, a corrupção. Carlos Ranulfo Melo, já destaca isso no seu artigo “Corrupção Eleitoral”:

 

A corrupção eleitoral ou a reiterada incidência de fenômenos capazes de desvirtuar o processo de constituição de um corpo de representantes sempre significou um problema para as democracias. A condição para que seu enfrentamento se tornasse possível foi a constituição de uma Justiça Eleitoral dotada de autonomia face aos poderes políticos e econômico, com recursos suficientes para organizar e poderes necessários para regulamentar os processos eleitorais. Mas mesmo as democracias consolidadas não conseguiram impedir de forma cabal que determinados interesses pudessem, utilizando os recursos que tivessem à mão, obter vantagens diferenciadas em função de sua participação nas eleições.

 

No Brasil, tal situação é reflexo da grande influência do poder econômico no poder público. Os escândalos do “Mensalão” e “Lava-Jato” demonstram o grande esquema montado para financiamentos de campanha em troca de “favores políticos”, que há anos se alastram. 

 

Em 2015, através do advento da Lei n. 13.165/2015, a Justiça Eleitoral numa tentativa de resgatar um processo eleitoral imparcial, passa a proibir doações de empresas para campanhas eletivas. Todavia, a medida ainda não é capaz de coibir as práticas abusivas e ilegais, ao contrário, influência o “caixa 2” e a sonegação de recursos de campanha, ou seja, um “tiro que talvez acertou o próprio pé”.

 

Em seu artigo intitulado “Financiamentos de Campanhas Eleitorais”, André Marenco destaca a influência do suporte econômico no processo eleitoral e algumas medidas adotadas por alguns países:

 

[...] A conexão incremento nos custos de campanhas eleitorais=>tratamento privilegiado aos investidores eleitorais nas decisões sobre fundos e políticas públicas passou a constituir fonte potencial para a geração de corrupção nas instituições públicas.

[...]

As variações existentes na relação entre suporte público ou privado para campanhas eleitorais podem ser observadas através das diferenças relativas a: (a) existência ou não de limites para contribuições financeiras privadas a campanhas e partidos; e (b) propaganda eleitoral paga ou acesso a espaços gratuitos nos meios de comunicação. Países como México, Índia, Israel, Japão, Espanha, Taiwan, Polônia, Tailândia, Turquia e Estados Unidos estabelecem diferentes graus de restrições à quantidade e fontes para recursos privados coletados pelos partidos. Enquanto isso, Austrália, Canadá, Alemanha, Itália e Suécia praticamente não promovem limites para contribuições privadas a campanhas eleitorais. 

 

Nesse caso, mais uma vez reforça-se a ideia que as medidas adotadas no Brasil, seja por importação ou autoria própria, não estão funcionando. E tal situação não é tão difícil de compreender. 

 

Toda máquina pública de uma forma ou de outra sofrem a interferência do poder econômico, do federal ao municipal. O Poder Executivo é alvo de denúncias de abuso de poder econômico e de favorecimentos para empresas que financiaram campanhas; o Poder Legislativo, legisla em causa própria para defender os seus interesses e daqueles que também os financiaram; o Poder Judiciário, cujas as mais altas cortes são compostas por indicação do Chefe do Poder Executivo, também assumem suas funções com promessas de benesses, e, por fim, o povo que nas campanhas eleitorais busca uma contraprestação privilegiada do seu candidato. Em suma, vivemos num ciclo vicioso, talvez até reflexo da cultura de um Brasil Colônia.

 

Nesse diapasão, é importante fazer a seguinte reflexão: haverá um ponto de equilíbrio? Esse ciclo vicioso encontrará o seu fim? Nesse caso torcemos para o otimismo prevalecer sobre o ceticismo jurídico. Cesare Baccaria, ao publicar sua obra emblemática “Dos Delitos e Das Penas” já dava um sinal de que a corrupção e outros ilícitos encontrarão o seu fim na informação e na educação: 

 

É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida.

[...]

Num povo forte e corajoso, a incerteza das leis é forçada por fim e substituir-se por uma legislação precisa; isso, porém, só acontece depois de revoluções freqüentes, que conduziram esse povo, alternativamente, da liberdade à escravidão e da escravidão à liberdade.

Quereis prevenir os crimes? Marche a liberdade acompanhada das luzes. Se as ciências produzem alguns males, é quando estão pouco difundidas; mas, à medida que se estendem, as vantagens que trazem se tornam maiores.

Um impostor ousado (que não pode ser um homem vulgar) faz-se adorar por um povo ignorante e só é objeto de desprezo para uma nação esclarecida.

O homem instruído sabe comparar os objetos, considerá-los sob diversos pontos-de-vista e modificar os próprios sentimentos pelos dos outros, porque vê nos seus semelhantes os mesmos desejos e as mesmas aversões que agem sobre o seu coração.

Se prodigalizardes luzes ao povo, a ignorância e a calúnia desaparecerão diante delas, a autoridade injusta tremerá, só as leis permanecerão inabaláveis, todo-poderosas; e o homem esclarecido amará uma constituição cujas vantagens são evidentes, uma vez conhecidos seus dispositivos, e que dá bases sólidas à segurança pública. Poderá ele lamentar essa inútil partícula de liberdade de que se privou, se a comparar com a soma de todas as outras liberdades que os seus concidadãos lhe sacrificaram, e se pensar que, sem as leis, estes últimos poderiam armar-se e unir-se contra ele?

Dotado de uma alma sensível, verifica-se que, sob boas leis, o homem só perdeu a funesta liberdade de praticar o mal, forçado a bendizer o trono e o soberano que só o ocupa para proteger.

[...]

O sábio tem necessidades e interesses que o vulgo desconhece; é para ele uma necessidade não desmentir, em sua conduta pública, os princípios que estabeleceu nos seus escritos e o hábito que adquiriu de amar a verdade por si mesma.

Tais homens fariam a felicidade de uma nação; mas, para tornar essa felicidade durável, é preciso que boas leis aumentem de tal forma o número dos sábios que quase já não seja possível fazer uma escolha errônea.

Outro meio de prevenir os delitos é afastar do santuário das leis a própria sombra da corrupção, interessando os magistrados em conservar em toda a sua pureza o depósito que a nação lhes confia.

[...]

Afim, o meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação.

O assunto é vasto demais para entrar nos limites que me prescrevi. Ouso, porém, dizer que está tão estreitamente ligado com a natureza do governo que será apenas um campo estéril e cultivado somente por um pequeno número de sábios, até chegarem os séculos ainda distantes em que as leis não terão outro fim senão a felicidade pública. 

 

Desta feita, é claro e inequívoco que qualquer desenvolvimento social está a mercê de políticas públicas sólidas. O acesso à informação, seja pelo sistema educacional eficaz ou por meios de comunicação isentos, é ainda o melhor (e mais demorado) caminho a seguir, é convocar e incentivar a participação popular, numa tentativa de trazer a população à luz novamente, conforme os ensinamentos de Beccaria.

 

Sabemos, por outro lado, do déficit nas políticas públicas. Saúde, educação, sistema carcerário, tributário são áreas que evidenciam uma cruel realidade das dificuldades e entraves enfrentados nos últimos tempos. Em outras palavras passamos a andar em círculos e sem chegar a lugar nenhum.

 

Por fim, é importante lembrar que “a luz da ciência” somente será possível se houver uma representatividade política com mais interesses voltados à coletividade e maior participação popular, resgatando as funções dos institutos jurídicos, não só na sua essência, mas devolvendo a segurança jurídica e atingindo a sua finalidade originária vestido do caráter Democrático de Direito.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, apud VIEIRA, Vanderson Roberto. As funções do Direito Penal e as finalidades da sanção criminal no Estado Social Democrático de Direito. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 37, fev 2007. Disponível em: . Acesso em jul 2017.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.

 

MELO, Carlos Ranulfo. Corrupção Eleitoral.In: AVRIZTER, Leonardoet al.Corrupção: ensaios críticos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

 

MARENCO, André. Financiamentos de Campanhas Eleitorais.In: AVRIZTER, Leonardo et al.Corrupção: ensaios críticos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

 

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Edição Eletrônica RidendoCastigatMores,  1764.